sexta-feira, 30 de julho de 2010

Um cigarro

Três horas da madrugada, acordo com aquele barulho seco que tomou conta de todo este lugar sem esperanças.
Deito-me novamente, mas os pensamentos voam longe e não me deixam dormir. Penso em minha vida, penso se algum dia sairei deste lugar, se algum dia terei uma vida melhor, longe de tanta miséria.
Quando os tiros e meus pensamentos se calam , consigo dormir, mas não por muito tempo, pois outro barulho soa no ar daquele quarto de madeiras. Os gemidos de minha querida mamãe de 50 anos me atormentam e me fazem levantar.
Dona Joana, uma pobre senhora negra, escrava da miséria, que sofre fortes dores causada pelos socos da vida. Não há nada que eu possa fazer para tirar a dor daquela pobre mulher, então me levanto e acendo um cigarro e caminho até a janela.
Aqueles pensamentos de como sairei deste lugar não me perturbam mais, agora são outros que torturam minha mente. Penso em minha mãe, no trabalho que ela teve para me criar sozinha. Penso em sua vida sofrida, nas faxinas que ela teve que fazer para comprar um quilo de arroz e um quilo de feijão para me alimentar. Penso nas noites que ela enfrenta com dores e gemidos.
Queria tirar minha mãe deste lugar, dar à ela um lugar mais limpo, uma cama mais confortável e um cobertor que a aquecesse nas noites frias. Mas como vou tira-la daqui? Ganho um salário mínimo e ainda tenho que fazer hora extra para comprar os remédios dela.
Olho para o lado e me sinto pior,vejo o Biro na esquina, às três e meia da madrugada com outros caras colocando fogo na latinha de coca-cola e ao mesmo tempo em sua própria vida.
Fumo outro cigarro e vou deitar, afinal amanhã é dia de fazer hora extra para comprar o remédio de Dona Joana.


Jéssica Ramos Bastos

domingo, 4 de julho de 2010

Uma outra casinha

O papai me disse que vai ser só um pouquinho, que eu tenho que estar aqui para o meu bem e para o bem de algumas pessoas, como do meu irmãozinho e do meu outro papai. Ele falou que eu tenho que sempre estar forte, que eu tenho que ser uma boa menina, com o coraçãozinho bom e que eu tenho que ter muita paciência.
Todos os dias eu peço pra Ele me buscar, falo pra Ele que essa nova casa é muito chata e feia. Só tem gente chorando, criancinhas do meu tamanho com fome, famílias brigando... Um dia eu vi um garotinho fumando um negócio que tinha um cheiro ruim, depois ele ficou com o rostinho triste... coitadinho do menino!
Aqui tem uma tela grandona que as pessoas chamam de... como que é? Televisão! É, é esse o nome... Eles ficam horas e horas olhando pra ela e esquecem de tudo.
Quando passa desenho, é legal... Mas minha outra mamãe não brinca mais comigo, meu outro papai não conversa mais com a gente.
Não tem nada pra fazer aqui nessa nova casa... Eu fico o dia inteiro pedindo pro Papai me levar pra minha casa de verdade. Ele falou que ainda não está na hora, que eu ainda tenho que fazer algumas coisinhas aqui, que algumas pessoas precisam de mim, e que eu tenho que aprender algumas coisas aqui. Ele falou que eu vou ter que esperar mais um bocadinho.
Então tá... eu espero só mais um pouquinho ... mas Papai, não demora muito, tá bom? Eu quero ir pra casa...

Jéssica Ramos Bastos